A contratação de profissionais autônomos e de pessoas jurídicas (PJs) tornou-se prática recorrente no ambiente empresarial brasileiro. Segundo levantamento do IBGE, em 2024 o Brasil registrou mais de 25 milhões de trabalhadores atuando por conta própria, dos quais cerca de 5,3 milhões formalizados como pessoas jurídicas. Esse fenômeno reflete a busca das empresas por maior flexibilidade, eficiência e redução de encargos trabalhistas.
Contudo, esse modelo contratual sempre esteve cercado de insegurança jurídica. A Justiça do Trabalho, em inúmeras decisões, desconsidera a contratação formalizada e reconhece vínculo empregatício, gerando custos inesperados e aumento da litigiosidade. O tema ganhou relevância máxima quando o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu repercussão geral no Tema 1.389, suspendendo nacionalmente todos os processos que discutem a validade da contratação de PJs e autônomos.
O que está em jogo?
O julgamento do STF impacta diretamente o setor produtivo e envolve três pontos centrais:
- Competência da Justiça do Trabalho: Estima-se que mais de 40% das ações trabalhistas no país envolvem pedidos de reconhecimento de vínculo empregatício. A definição de qual Justiça deve julgar contratos civis de prestação de serviços – Trabalhista ou Comum, terá impacto direto no volume processual.
- Licitude da contratação de PJs e autônomos: A decisão poderá consolidar ou restringir a prática. Apesar de a ADPF 324/2018 já ter declarado constitucional a terceirização, dados do TST mostram que, somente em 2023, mais de 100 mil processos questionaram vínculos em contratos com PJs.
- Distribuição do ônus da prova: Definir se cabe ao trabalhador ou à empresa provar eventual fraude é essencial, pois altera a dinâmica de julgamento. Em média, 65% das ações trabalhistas são favoráveis ao trabalhador em primeira instância, segundo o Relatório Justiça em Números do CNJ (2023).
O Ministro Gilmar Mendes, relator do caso, destacou que a reiterada recusa de aplicação das decisões do STF pela Justiça do Trabalho tem causado insegurança jurídica e sobrecarregado a Suprema Corte com reclamações constitucionais. Enfatizou, ainda, que, sem a fixação de tese vinculante, o STF acaba atuando como instância revisora das decisões trabalhistas, papel que não lhe compete no desenho constitucional.
Assim, a decisão de suspensão nacional busca evitar decisões contraditórias, uniformizar a jurisprudência e reafirmar o papel do STF como guardião da Constituição, sobretudo diante da tensão entre a proteção social ao trabalhador e a livre iniciativa empresarial.
Impactos práticos para os empresários
A decisão do STF pode significar:
- Segurança jurídica: a uniformização da jurisprudência pode reduzir drasticamente o número de processos. Hoje, o Brasil possui cerca de 2,5 milhões de ações trabalhistas em tramitação, um dos maiores volumes do mundo.
- Gestão de custos: empresas que utilizam massivamente a contratação de autônomos e PJs precisam se preparar para eventuais mudanças de modelo ou reforço contratual.
- Ambiente de negócios: maior previsibilidade jurídica estimula investimentos. Pesquisa da CNI (2024) revelou que 72% dos empresários consideram a insegurança jurídica trabalhista um dos principais entraves para expansão de negócios.
Conclusão
O reconhecimento da repercussão geral no Tema 1.389 representa um marco no debate sobre a licitude da contratação por PJs e autônomos no Brasil. A suspensão dos processos em andamento tem o objetivo de estancar a multiplicação de decisões conflitantes e proporcionar maior segurança jurídica ao setor produtivo e aos trabalhadores.
Embora o julgamento de mérito ainda não tenha data definida, a futura tese a ser fixada pelo STF terá impacto direto nas relações de trabalho e no contencioso trabalhista, estabelecendo critérios claros sobre a competência da Justiça do Trabalho; a licitude da contratação de autônomos e pessoas jurídicas; e a distribuição do ônus da prova em alegações de fraude.
A decisão do STF também reforça a necessidade de equilíbrio entre a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, buscando evitar tanto a precarização das relações laborais quanto a insegurança jurídica para empresas que contratam serviços sob modelos alternativos de trabalho.
O julgamento do Tema 1.389 pelo STF será um divisor de águas para as relações de trabalho no Brasil. A decisão pode consolidar um novo paradigma jurídico, estabelecendo critérios claros para diferenciar vínculo de emprego e prestação de serviços autônomos, gerando reflexos estruturais sobre o mercado de trabalho brasileiro, podendo consolidar um novo paradigma interpretativo na fronteira entre o direito civil, o direito constitucional e o direito do trabalho.
Para empresários, acompanhar esse julgamento é essencial. A tese a ser fixada terá reflexos diretos em contratos, planejamento estratégico e gestão de riscos. Mais do que uma questão jurídica, trata-se de um fator determinante para a competitividade e sustentabilidade do setor produtivo nacional.